domingo, 15 de maio de 2011

Amizade é algo muito delicado, que pode exigir tempo para vingar ou nascer de uma hora para outra, mas de qualquer forma, é algo próximo da raridade e com certeza é de uma preciosidade sem limites.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

yo vengo oferecer mi corazón

O que é esse algo, essa música, essa alma, esses tempos a pedir algo mais
Aquilo que não se alcança mesmo estando o tempo todo aqui
O desconforto, mais que isso, a pertubação que a arte me traz
Essa mesma arte que conforta, acolhe meu coração apertado
E há uma distância. Houve, parece, a troca de caminhos
Em certos instantes pareço não sentir mais quem sou, quem somos todos
Talvez o pedido seja por descobrir não "o que", mas "do que" sou, somos
Lavando folhas de hortelã esta manhã, pensei na chuva que molhou, na mão que a colheu, na seiva que a alimentou
Estamos tão ligados e tão separados.

(BH, Ouvindo Mercedes Sosa cantando música de Fito Paez).


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Aqui

O mais bonito no brilho das estrelas é saber que muitas delas já não estão mais lá. Quero sentir o vento que passou por tantos lugares e que agora traz a chuva para dentro do meu quarto. O cheiro da terra molhada invade esta selva de pedras com toda a força do único jardim da rua. E a imagem de você na porta a me olhar.         
O mais bonito de estar vivo é saber que todas estas coisas são impermanentes: nuvens cobriram o brilho das estrelas, o vento seguiu, a chuva escorreu, o cheiro agora é do jantar sendo feito no apartamento ao lado, já sou eu na porta a te procurar. 
O mais bonito de estar vivo é estar presente na impermanência.

Frase que aprendi: não vou separar as vitórias dos fracassos.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

SOMBRA


DE VOCÊ NÃO SEI QUASE NADA
APENAS IDENTIFICO NOSSA UNIDADE E NOSSA DIFERENÇA

SEMPRE QUE O SOL SE PÕE VEJO TUAS COSTAS
ENQUANTO TU PARECES VER TUDO O QUE ESTÁ PROFUNDAMENTE ENTERRADO
NÃO SEI SE RI OU SE CHORA
MAS ESTOU EM VOCÊ E VOCÊ ESTÁ EM MIM

ÉS VAZIO, SILÊNCIO, HARMONIA, MISTÉRIO
ENQUANTO AQUI, ESTOU MATÉRIA DENSA, BARULHENTA ,PREVISÍVEL
CONTUDO (COMO PODE?)
QUANDO MEUS OLHOS CAEM EM TI SOU TÃO LIVRE
QUANDO TEUS NEGROS OLHOS SÃO VISTOS POR MIM EU SOU.

                                                                    IPAIPUAÇU, 12/08/07  E BH,11/02/11.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Cortando a Orelha com Van Gogh


Rio, dezesseis de dezembro de dois mil e seis.(estava a lembrar das aulas no primeiro ano, quando a “tia Ana” corrigiu meu “dez e seis”. Foram necessárias doze linhas para eu aceitar a união entre os dois, que, até hoje, considero um tanto falsa, com aquele “s” entre eles ...mas...gosto e arbítrio são para isto também)

Porém, não é que estou gostando mesmo desta cidade? Amo e odeio. Hoje, só amei. Cedo, em pleno sábado, estava eu a andar pelo Centro, em direção à estação do bonde que leva à Santa Tereza. Último dia do ano de serviços psicológicos prestados. Na Ong. Mais ou menos em outubro, quando pisei lá, senti que ficaria a trabalhar por uns tempos. Santa Tereza tem ruas arborizadas e que nesta época do ano me lembram muito da infância, dos Natais com cheiro de eucalipto. E ainda tem as cigarras histéricas, que Freud perdeu muito em não analisar.
Hoje amei o Rio por tudo, por ter me acolhido da forma mais deselegante possível, em que eu chorava no aeroporto, como um grilo triste. Por tantas despedidas mal feitas, por uma paixão deliciosamente desnaturada, e devido ao mesmíssima paixão, deliciosamente  amarga. Ter perdido minha carteira com todo o dinheiro e documentos lá na Ilha que, à aquelas alturas, ainda sonhava que era a minha. Hoje o Rio me trouxe presentes inesquecíveis, como Duas, eu disse DUAS borboletas enormes e amarelas com laranja nas pontas. Elas dançaram pertinho de mim e fizeram com que desviasse o olhar que vagava pelos becos do morro para olhar só a elas, em sua dança ligeira e ampla.


Aconteceu também, isto já no fim da tarde, lá no Flamengo, uma nuvem que... Meu Deus, o que era aquilo!!!! Tive que parar no meio da pracinha e falar em voz audível a beleza daquela nuvem. Ao escrever, percebo que entrei numa espécie de portal surrealista junto daquela nuvem. Um cenário absurdo, aparentemente desconexo à correria das compras de Natal, de toda aquela gente, e das buzinas, e dos meninos que tocam sempre a mesma música no violino em frente ao Botafogo Praia Shopping, pra tirar uns trocos e fazendo concorrência para o homem das embaixadinhas.


Na verdade, éramos um quadro dentro da cidade: eu, a nuvem e velhinha bêbada que sonhava.

Eu estava de lilás, cor da transmutação – só fui dar-me conta disso depois de dois chopes, quando uma amiga falava dos comentários da sua médica homeopata. A nuvem estava de Tibet: sim, porque mais parecia uma montanha de neve ao por do sol no Tibet, só que se encontrava aqui Brasil e era impetuosa no horizonte da Baia da Guanabara. Sua base era formada por nuvens daquelas lisas, compridas (como queria lembrar daquela aula sobre os tipos de nuvens...mas agora só lembro do professor de geografia, o cabra mais maluco beleza que conheci).
Logo acima, coladinho mesmo, estava a nuvem do tipo algodão, fofa, crespa, super volumosa e que se dividia em duas cores, rosa e amarelo forte no corpo e cume. Sei que é impossível descrever para vcs, o que é uma grande falha minha. Mas pensei que Van Gogh surtaria ao máximo se a visse. Essa nuvem arrebataria qualquer campo de trigo! Linda, linda, linda.


Linda também, mas de uma beleza triste, era a velhinha bêbada que sonhava enrolada num cobertor em plenos 34 graus Celsius. Sonhos esses que eu nunca vou saber dizer, mas que Clarisse disse.


E assim saldo meu sábado, cortando seis horas de contagem das bermudas, da salinha de estoque abafada onde trabalho algumas horas para ganhar uuns trocados (é...os meninos do violino foram mais felizes). Corto também a convivência com a “chefe”  que escolheu ser oca e que gosta de humilhar minha colega da Rocinha com chicoteando com sua língua de fel e olhos de gelo,  moribundos, ressecados pelos remédios que saboreia no lugar de balas.


Ah, deixemos ela e sua filha com seus cartões clonados, suas maconhas e seus escravos que acham que ganham muito tendo trocando o que resta da liberdade por uma camiseta de marca. Falemos de uma cena até divertida deste trabalho de contar bermudas. Como o estoque é no sótão, e contando que ali não há ar condicionado, somando com um dos dias mais quentes do ano , o que fiz eu, solitariamente, no sótão com a luz branca piscante, enquanto as vendedoras lá embaixo comentavam os cabelos, os sapatos, os trejeitos de quem passava pelos corredores?  Fiquei a contar as bermudas só de sutiã.  E assobiando “A Rã”, ri muito com Caetano.


Depois das seis horas intermináveis, dei conta que não ouço boa musica faz tempos e meus ouvidos já quase viviam a tragédia de adaptação a rádio funkeira do andar de baixo. Também não li mais, esta semana toda. Ferrreira Gullar está de bico, naquela sacola antipática e eu aqui, com os números sessenta e...código 178148464s489s49s alguma coisa preto tam GG ! 


É ... até que tranqüilizo : prefiro contar bermudas do que ficar numa conversa de fofoquinhas, “ouvindo” funk (é, porque só quem não gosta de funk escuta funk, visto que os funkeiros já ficaram surdos há tempos!) ou assitindo a mais uma demosntração de abuso de poder. Rsrsrs, brincadeira, brincadeira... Gosto dos chefes, principalmente dos tipos arrogantes! Ensinam muito sobre as possibilidades da miséria de alma.


Pois bem, mas eu dizia que a música e a poesia e a pintura e o teatro, ah...o teatro...como me provocam vontade de Ser, de viver! De querer algo mais que ser só eu. Quero ser tudo. Quero dar para a minha vida real toda a ação que existe no mundo interno em que, sim, existo. Como aqui e agora. Não estou no quarto. Estou aqui. No branco do computador e nas cor dos seus olhos.

Acabei gastando o que não podia depois dos códigos catalogados, quando fui à Devassa, choperia boa, mas cara. Ali só eu, tenho quase certeza, bati o recorde de ficar semi-bêbada com dois chopes.


Amanhã acordarei às seis. Já que meu assunto com as sungas e t-shirts começa só quinze horas, quero aproveitar e ver o sol nascer no Arpoador, depois pisar na areia fofa e ahhhhh coisa linda!!! Cair no mar!!!!!!!!!!!! E se a futura mamãe e minha amiga Pris for também, quero dar um beijo salgado no Rei, Leroi, para ele saber que vale a pena conhecer o mundo de cá e ter coragem quando chegar a hora. E está perto. Ele será de sagitário ou de capricórnio. Vida à vida!

domingo, 16 de janeiro de 2011

O antinflamatório da vida



Ele pára. Nega-se a fluir com a natureza por pura desidentificação. Inflamam-se pensamentos,  espírito,  alma e, finalmente,  garganta. Pobre coitado! Mas, forte. A inércia é o que se apodera de um ser humano ao vislumbrar sua fraqueza . Não todo, mas algum, cansado. O tempo passa devagar e depressa.  Já não se sabe passando ou parado. E o danado é que, mesmo com ajuda, muitas vezes  se sente sozinho, parando e passado. É fio, assobio e passarinho.
A realidade de uma ilusão que pode nunca mais curar. Mesmo que ria, mesmo que chore. A inconveniência é, justamente, não constar o prazo de validade. E ele quer cortar o mal pela raiz. Chega de mentiras ou então, que se inflame. E busca, arqueado. E busca, esticado. Busca bêbado. Resmungando. Animado. Sonhando e faminto. Passa os dias a buscar. Às vezes acha que encontra. Depois, duvida. Onde estará ?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

ALUCINAÇÃO VERDADEIRA


Muito antes de o mundo ser o que é hoje, não havia cidades. Não havia cobertores rasgados em nenhuma rua. Não havia: modas de silicones, escovas progressivas
e não tinha moeda tão valiosa que pudesse comprar pessoas
Não havia.
Num tempo de cheiros e verdes que de vez em quando a formiga comia
Sob um céu pintadinho de estrelas em que a conversa ria
Amigos jamais esqueciam um bom vinho
Os velhos nunca ficavam a margem do caminho
Solidão
Não havia.
Havia isto sim - para mesclar com toda gargalhada, talvez –
Alguma melancolia
Mas era coisa pouca, pra fazer charme pro dia que já se esvaia
Havia também noites de dramas e desgraças
E todas as tristezas que nascem com a teimosia do querer existir completo
Mas passava, descoberta a trapaça surgia o caminho de vazio repleto
Porém, passar dias e anos a comprar e a vender
Sem olhar, sem aquecer, sem lembrar de que sem é
Não, não havia.
Tudo aquilo existia
Por mais que dissessem que não
Ou que sim, se alucinação
Por mais que julgado errado
Ou que fosse pecado não concordar com a maioria
         Por certo não havia...
Mas que eu via, via.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

CORRA

CORRA
TRISTEZA PRA TODO LADO

CORRA, LOLA, CORRA!
CORRA JOÃO,JOSÉ!
CORRA AMBULANTE, MENDIGO,MENINO!
CORRA VOCÊ QUE VENDE SACOLÉ!

CORRA DE CARRO, COM GRAVATA, DESCALÇO
SEM O CIGARRO? DÁ NO  MANÉ!
SEMPRE AVANTE ! DE UMBIGO! CANTE O HINO!
NÃO HÁ MAIS NADA, DÁ NO PÉ

LARGA O JORNAL, OS CHURROS, O POODLE
LARGA O GRAFITE E OS MUROS!
DEIXA O ABRAÇO, A FOTO NA GUANABARA!
 DEIXA O BIQUINI, A VITRINE, A CABINE
QUE CHOVE BALA!
QUE BOTAFOGO!

CORRA
LÁ VEM A TRISTEZA CUSPINDO COMO UM DRAGÃO FAMINTO

CORRA, COMO SE FOSSE  À  SÃO SILVESTRE!
COMO SE FOSSE UM QUENIANO
CORRA INTERLAGOS MESMO SEM CINTO
CORRA NÚ MESMO COM VERGONHA
QUE  CHOVE CANIVETE!
QUE NÃO É TERRA DA GAROA!


CORRA!
IRAQUIANO, AFRICANO, AMERICANO DO SUL!
CORRA COM FIDEL OU SEM SADAN
COM ESTRELA-LÁ OU SEM  COLLOR
VÁ PRETO, BRANCO, VERMELHO E AMARELO (O TRANSPARENTE JÁ FOI VENDIDO)

-          ADAGGIO-

CORRA ESQUECENDO
LEMBRA CANTANDO, A DOR JÁ É VEM
CANTA MORRENDO
MORRA SAMBANDO, O CARNAVAL JÁ É SEM

CHAMA BRAGUINHA, CAREQUINHA, BUSSUNDA, JAMES BROWN, PIAF!

TEM PURPURINA? TEM!
TEM BATUCADA? TEM!
TEM MARMELADA? TEM! TEM! TEM!       

TEM ALEGRIA? TEM!
TEM TRAPALHADA? TEM!
TEM GARGALHADA? TEM! TEM! TEM!

-ALEGRO-

OLHA O REDENTOR, QUE LINDO
VEJA QUANTA LUZ, SORRINDO
OLHA O OLHO QUE OLHA
QUE OLHA?
QUE CHORA.
QUE MORA?
QUE ORA E DIZ:
 AMEM, NO LUGAR DE AMÉM.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

(A Cigana de Katakoram- Continuação)

...
Ø
...
No escuro, ar seco, ela lança seu espírito rumo aos grandes rochedos. O corpo ansioso vislumbra a projeção deste futuro que quase consegue tremer por sua espinha. A mente o alcança como uma flecha e do nada, pára. Do silêncio do deserto toca o “Não”. E seu corpo, que já foi gordo, magro, flexível, rígido, agora, obedece: fica na areia que já também queria ir-se como o vento.  Kantara, espírito lá, corpo aqui, para onde poderia ir? Como se mover se já havia receio, se já irrigava o medo que a solidão plantara? O que queria nesse momento - mesmo que fosse o mais curto, acabasse triste e depois perdesse tudo o que trouxera desde os ancestrais dos seus ancestrais - era um amigo que fosse olho no olho.

Quando o encontrou riu. Primeiro foi o riso de nervoso, seguido o de alegria já acasalado com o de medo de ser mentira ou, talvez pior, de ser verdade – porque neste caso então já sabia que o fim ia fazer doer. Dor esta já provada, um pequeno gole que bastou para ter razões em viver só. Mas não conseguia. Estava viva! E muito melhor que razões é viver. Então riu da curiosidade dele, que queria saber como é que ela era quando chorava!

- “Eu fico me levando muito a sério e deixo as lágrimas escorrerem dos meus olhos, igual a todo mundo”. Novamente, risos, risos muito bons, risos de tempo presente. Mundos tão diferentes e ainda assim ele estava ali, tão perto que mal chegando e já fazia saudade. A partida, que sempre acontece, será então um dia tão ... cheio! Haverá muita angústia, muitas lembranças lutando para não serem o que são: um passado que só se pode ver e não pegar, como um doce na vitrine em tempos de pouco dinheiro.

Kantara sentia tanto medo de perder esse Encontro, estava tão apegada a ele que agora, a qualquer momento longe de seu amigo já se sentia só. E sabia que isto não era bom.  Tentou retomar seu rumo e, numa surpresa de botar pânico, achou tudo sem sentido: o antes e o depois. - Eu vou ficar aqui parada, na estrada. Pode encostar – dizia ela para Ninguém Mais, que então passava ali assim como uma uva passa.

 O destino se mostrava cru, puxando o tapete do tempo numa maravilhosa demonstração daquilo que ele não parecia, mas era: Mutável. Kantara atravessa como uma katana guiada pelas mãos de um samurai: Precisa.
 ^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^Fim????~~~~~~~TCS^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^Itaipuaçu e,Belo Horizonte 2007-2008-2010!

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A Cigana de Karakoram

No último dia do conflito entre a Índia e o Paquistão pela Caxemira, nasceu, das águas generosas do Jelum, aquela que estava destinada a sempre dar o próximo passo, o ímpar, aquele que faz toda a diferença numa vida medíocre. Sua mãe sonhou durante o parto e, juntamente com a bíli, vomitou o sonho com palavras estranhas. Quando por fim tudo acabou, a vida de Kantara deu seu primeiro grito.


O nome, escolhido pelo Pai, significa “portas do deserto”, uma homenagem às famosas gargantas a oeste de Aures que dão acesso a um belo oásis. Talvez, por demasiada realidade, a ironia se fez: suspirou a mãe, ao sentir na morte um alívio. Ao pai sobrou a sede, uma secura que a cada dia se faria em peles e ossos, o deserto da dor. Para Kantara sobrou a busca, o completar um nome que trazia promessas de frescor.

Entre saias estampadas de histórias, músicas que tocavam destinos irremediáveis e a dança dos homens ao redor da fogueira ela cresceu com um sonho reincidente, o de sua mãe sorrindo, doce e indomável. 

Depois de lavar a roupa, moça de 21 anos, fez trança nos cabelos um pouco revoltados com o vento e com sua alma. Iria se juntar à família para partir rumo ao sul. O sol já tinha nascido fazia tempo e quis sentar-se para descansar. Pode ver sua sombra, no tamanho real, lhe observando da pedra. Kantara ficou imóvel de suto consigo mesma. Como se pudesse ser frágil, ou demasiado animal, iniciou uma conversa no silêncio com aquela sombra e assim que a lua nova brilhou nos seus olhos, já não havia música, nem amigos, nem pai, mas um grande corte, uma barreira erguida no seu espírito, uma falta que sem notar, a fazia correr em direção ao norte.

Durante meses a Natureza foi sua companheira. Kantara tinha raízes fortes amaciadas pela vivência de um mundo que hoje poucos podem [e querem] conhecer mas que resiste pelo simples fenômeno de conter todos os elementos e por estar acima da ignorância.

Quase muito tempo depois de viver na floresta dias felizes, harmônicos, meio parecendo de mentira, aconteceu uma batalha nesta história. Sangue o bastante [se é que existe suficiência diante da cegueira ]. O  que houve mais eu não sei. Ou talvez, por hora, eu que não quero escutar. Nenhum dos dois? Ou, quem sabe? Todos já sentimos o bastante. Mas, há um detalhe que compreendo: foi uma luta com outra mulher. Mulher nem com maiúscula nem com minúscula: normal, ferida, cruel e bela. Feia também, porque fingia que sabia se gostar.

Com esse lapso saltamos para o agora. Quando possível, daremos uma pernada para trás e resolveremos este vazio – sem garantias de que o vazio deixe de ser o que sempre foi.

Bem, Kantara acredita estar próxima do Norte e que este a levará ao início do seu sonho(doce prisão).

(continua)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Valsinha


 Com fita
Com laço
Cadarço
Com abraço

Amarro
Agarro
Aperto e amasso

Empurro
Embrulho
O entulho que é meu
A sobra que é minha
O prazer que foi teu

Tão cor de carmim
Fino cetim
Adornado assim e assim

Amor meu

E saio
Voando
Papel velho ao vento

E brilho
E cintilo
Sorrio o meu fim

Pelas ruas
Todas nuas
Todas dizendo sim

Ao embrulho
Puro entulho
Que ruía de mim

Mas eis que depois de um tempo
Algo inocente aconteceu
Uma saudade, esta maldade
-que é fogueira-
Me aconteceu

E quietinha
Pelos meus cantos
Entre os santos eu ardi

E pedi tanto
E roguei tanto
Pra voltar
Voltar
Aqui/ Pra ti. 

sábado, 1 de janeiro de 2011

A Mulher que Chovia (para ser lida com Noites de Chuva – Francisco Casaverde)


                                       

Das minhas pegadas apagadas pelas ondas ao mesmo tempo em que são marcadas na areia, surge uma imagem que se assemelha ao corriqueiro, mas que, se vista de perto, melhor, de dentro da própria pegada, ou de uma das gotas do mar, a percepção desmentiria a semelhança com qualquer coisa já inventada.

Assim é o mistério daquela mulher - apesar de haver quem jure ser ela, ele.
Ela chorava. Todos os dias. Muito. Tinha vezes que virava uma lagoa de lágrimas e isto eu sei que lhe incomodava demais – a qualidade de lagoa -  pois que preferiria o movimento de um rio. De preferência no instante em que este encontra o mar. Mas vamos aos fatos:
Era assim. A imagem. Parada e agitada em tão equilibrada proporção que se anulava, como dois vetores que apontam para lados opostos. Ainda havia um gosto naquilo tudo. Um amargo em ser mulher e lagoa. Ambas  profundas demais. O Obstáculo, contudo, estava na superfície. A janela do quarto queria ficar sempre aberta, irritantemente escancarada. Nenhuma força era oposta o bastante para tal Vontade (muitos de nós temos janelas em nossos quartos as quais abrimos ou fechamos ao nosso bem dispor. Pois que a tal mulher ia lá, e, como nós, quando estamos incomodados com a claridade, fechava bem fechadinha a janela do Seu quarto.Virava-se de costas, então. Feliz, então).
Uma janela do quarto, com vontade própria. É tudo de ruim que se pode desejar a alguém. Na tentativa de viver sua questão existencial de maneira digna,  a mulher passou a encará-la,  andando sempre de costas. A janela do quarto, então, com toda a displicência,  empurrava para dentro tudo que lá fora havia.
Era um sorriso sarcástico o daquela janela. Mesmo no escuro. Mesmo de noite. Fazia a mulher ver a vida correr: oras dela, oras para ela. Este último aspecto metia medo na mulher. E foi o Medo, senhoras e senhores, o grande estopim deste mistério.
Quando vc pisa na areia da praia não perpassa um aroma romântico, talvez agridoce, na extensão de um momento? E o sal do mar, a umidade, o ventinho que sempre tem na beira da praia, não fazem sua pele ficar melada? Qual o tempo destas coisas todas? A mulher da imagem era enquanto tempo da memória.
Quando a chuva entrou pela janela, um medo de chover lhe trouxe o tempo que antes não havia.  O tempo do medo era incompatível com a vontade de qualquer coisa, janela ou mulher. E esta só via. Só.Completamente só, ela via. Sons.
Pela primeira vez, as janelas se fecharam. Sozinhas formaram o lado de fora e o lado de dentro. Lá fora, ia. Por dentro, era mulher que chovia.