sábado, 1 de janeiro de 2011

A Mulher que Chovia (para ser lida com Noites de Chuva – Francisco Casaverde)


                                       

Das minhas pegadas apagadas pelas ondas ao mesmo tempo em que são marcadas na areia, surge uma imagem que se assemelha ao corriqueiro, mas que, se vista de perto, melhor, de dentro da própria pegada, ou de uma das gotas do mar, a percepção desmentiria a semelhança com qualquer coisa já inventada.

Assim é o mistério daquela mulher - apesar de haver quem jure ser ela, ele.
Ela chorava. Todos os dias. Muito. Tinha vezes que virava uma lagoa de lágrimas e isto eu sei que lhe incomodava demais – a qualidade de lagoa -  pois que preferiria o movimento de um rio. De preferência no instante em que este encontra o mar. Mas vamos aos fatos:
Era assim. A imagem. Parada e agitada em tão equilibrada proporção que se anulava, como dois vetores que apontam para lados opostos. Ainda havia um gosto naquilo tudo. Um amargo em ser mulher e lagoa. Ambas  profundas demais. O Obstáculo, contudo, estava na superfície. A janela do quarto queria ficar sempre aberta, irritantemente escancarada. Nenhuma força era oposta o bastante para tal Vontade (muitos de nós temos janelas em nossos quartos as quais abrimos ou fechamos ao nosso bem dispor. Pois que a tal mulher ia lá, e, como nós, quando estamos incomodados com a claridade, fechava bem fechadinha a janela do Seu quarto.Virava-se de costas, então. Feliz, então).
Uma janela do quarto, com vontade própria. É tudo de ruim que se pode desejar a alguém. Na tentativa de viver sua questão existencial de maneira digna,  a mulher passou a encará-la,  andando sempre de costas. A janela do quarto, então, com toda a displicência,  empurrava para dentro tudo que lá fora havia.
Era um sorriso sarcástico o daquela janela. Mesmo no escuro. Mesmo de noite. Fazia a mulher ver a vida correr: oras dela, oras para ela. Este último aspecto metia medo na mulher. E foi o Medo, senhoras e senhores, o grande estopim deste mistério.
Quando vc pisa na areia da praia não perpassa um aroma romântico, talvez agridoce, na extensão de um momento? E o sal do mar, a umidade, o ventinho que sempre tem na beira da praia, não fazem sua pele ficar melada? Qual o tempo destas coisas todas? A mulher da imagem era enquanto tempo da memória.
Quando a chuva entrou pela janela, um medo de chover lhe trouxe o tempo que antes não havia.  O tempo do medo era incompatível com a vontade de qualquer coisa, janela ou mulher. E esta só via. Só.Completamente só, ela via. Sons.
Pela primeira vez, as janelas se fecharam. Sozinhas formaram o lado de fora e o lado de dentro. Lá fora, ia. Por dentro, era mulher que chovia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário