Rio, dezesseis de dezembro de dois mil e seis.(estava a lembrar das aulas no primeiro ano, quando a “tia Ana” corrigiu meu “dez e seis”. Foram necessárias doze linhas para eu aceitar a união entre os dois, que, até hoje, considero um tanto falsa, com aquele “s” entre eles ...mas...gosto e arbítrio são para isto também)
Porém, não é que estou gostando mesmo desta cidade? Amo e odeio. Hoje, só amei. Cedo, em pleno sábado, estava eu a andar pelo Centro, em direção à estação do bonde que leva à Santa Tereza. Último dia do ano de serviços psicológicos prestados. Na Ong. Mais ou menos em outubro, quando pisei lá, senti que ficaria a trabalhar por uns tempos. Santa Tereza tem ruas arborizadas e que nesta época do ano me lembram muito da infância, dos Natais com cheiro de eucalipto. E ainda tem as cigarras histéricas, que Freud perdeu muito em não analisar.
Hoje amei o Rio por tudo, por ter me acolhido da forma mais deselegante possível, em que eu chorava no aeroporto, como um grilo triste. Por tantas despedidas mal feitas, por uma paixão deliciosamente desnaturada, e devido ao mesmíssima paixão, deliciosamente amarga. Ter perdido minha carteira com todo o dinheiro e documentos lá na Ilha que, à aquelas alturas, ainda sonhava que era a minha. Hoje o Rio me trouxe presentes inesquecíveis, como Duas, eu disse DUAS borboletas enormes e amarelas com laranja nas pontas. Elas dançaram pertinho de mim e fizeram com que desviasse o olhar que vagava pelos becos do morro para olhar só a elas, em sua dança ligeira e ampla.
Aconteceu também, isto já no fim da tarde, lá no Flamengo, uma nuvem que... Meu Deus, o que era aquilo!!!! Tive que parar no meio da pracinha e falar em voz audível a beleza daquela nuvem. Ao escrever, percebo que entrei numa espécie de portal surrealista junto daquela nuvem. Um cenário absurdo, aparentemente desconexo à correria das compras de Natal, de toda aquela gente, e das buzinas, e dos meninos que tocam sempre a mesma música no violino em frente ao Botafogo Praia Shopping, pra tirar uns trocos e fazendo concorrência para o homem das embaixadinhas.
Na verdade, éramos um quadro dentro da cidade: eu, a nuvem e velhinha bêbada que sonhava.
Eu estava de lilás, cor da transmutação – só fui dar-me conta disso depois de dois chopes, quando uma amiga falava dos comentários da sua médica homeopata. A nuvem estava de Tibet: sim, porque mais parecia uma montanha de neve ao por do sol no Tibet, só que se encontrava aqui Brasil e era impetuosa no horizonte da Baia da Guanabara. Sua base era formada por nuvens daquelas lisas, compridas (como queria lembrar daquela aula sobre os tipos de nuvens...mas agora só lembro do professor de geografia, o cabra mais maluco beleza que conheci).
Logo acima, coladinho mesmo, estava a nuvem do tipo algodão, fofa, crespa, super volumosa e que se dividia em duas cores, rosa e amarelo forte no corpo e cume. Sei que é impossível descrever para vcs, o que é uma grande falha minha. Mas pensei que Van Gogh surtaria ao máximo se a visse. Essa nuvem arrebataria qualquer campo de trigo! Linda, linda, linda.
Linda também, mas de uma beleza triste, era a velhinha bêbada que sonhava enrolada num cobertor em plenos 34 graus Celsius. Sonhos esses que eu nunca vou saber dizer, mas que Clarisse disse.
E assim saldo meu sábado, cortando seis horas de contagem das bermudas, da salinha de estoque abafada onde trabalho algumas horas para ganhar uuns trocados (é...os meninos do violino foram mais felizes). Corto também a convivência com a “chefe” que escolheu ser oca e que gosta de humilhar minha colega da Rocinha com chicoteando com sua língua de fel e olhos de gelo, moribundos, ressecados pelos remédios que saboreia no lugar de balas.
Ah, deixemos ela e sua filha com seus cartões clonados, suas maconhas e seus escravos que acham que ganham muito tendo trocando o que resta da liberdade por uma camiseta de marca. Falemos de uma cena até divertida deste trabalho de contar bermudas. Como o estoque é no sótão, e contando que ali não há ar condicionado, somando com um dos dias mais quentes do ano , o que fiz eu, solitariamente, no sótão com a luz branca piscante, enquanto as vendedoras lá embaixo comentavam os cabelos, os sapatos, os trejeitos de quem passava pelos corredores? Fiquei a contar as bermudas só de sutiã. E assobiando “A Rã”, ri muito com Caetano.
Depois das seis horas intermináveis, dei conta que não ouço boa musica faz tempos e meus ouvidos já quase viviam a tragédia de adaptação a rádio funkeira do andar de baixo. Também não li mais, esta semana toda. Ferrreira Gullar está de bico, naquela sacola antipática e eu aqui, com os números sessenta e...código 178148464s489s49s alguma coisa preto tam GG !
É ... até que tranqüilizo : prefiro contar bermudas do que ficar numa conversa de fofoquinhas, “ouvindo” funk (é, porque só quem não gosta de funk escuta funk, visto que os funkeiros já ficaram surdos há tempos!) ou assitindo a mais uma demosntração de abuso de poder. Rsrsrs, brincadeira, brincadeira... Gosto dos chefes, principalmente dos tipos arrogantes! Ensinam muito sobre as possibilidades da miséria de alma.
Pois bem, mas eu dizia que a música e a poesia e a pintura e o teatro, ah...o teatro...como me provocam vontade de Ser, de viver! De querer algo mais que ser só eu. Quero ser tudo. Quero dar para a minha vida real toda a ação que existe no mundo interno em que, sim, existo. Como aqui e agora. Não estou no quarto. Estou aqui. No branco do computador e nas cor dos seus olhos.
Acabei gastando o que não podia depois dos códigos catalogados, quando fui à Devassa, choperia boa, mas cara. Ali só eu, tenho quase certeza, bati o recorde de ficar semi-bêbada com dois chopes.
Amanhã acordarei às seis. Já que meu assunto com as sungas e t-shirts começa só quinze horas, quero aproveitar e ver o sol nascer no Arpoador, depois pisar na areia fofa e ahhhhh coisa linda!!! Cair no mar!!!!!!!!!!!! E se a futura mamãe e minha amiga Pris for também, quero dar um beijo salgado no Rei, Leroi, para ele saber que vale a pena conhecer o mundo de cá e ter coragem quando chegar a hora. E está perto. Ele será de sagitário ou de capricórnio. Vida à vida!
Nenhum comentário:
Postar um comentário